Em maio, um juiz recebeu aposentadoria compulsória após ser acusado de assediar ao menos três mulheres
Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que 56,4% dos servidores do poder judiciário afirmam já terem sofrido algum tipo de assédio no local de trabalho. Destes, 74% apontam que os assediadores ocupavam cargos superiores aos deles. Leia a Pesquisa (AQUI)
Outro dado do estudo também chama a atenção: 90% das vítimas não denunciaram o crime, por motivos como vergonha de se expor, medo de sofrer represálias e por achar que não daria em nada. Um cenário quase irônico. Em um ambiente onde o dever é fazer justiça, ainda tem muita gente que não acredita nela.
“A dificuldade é de conseguir provas. Então, a pessoa que passa por isso, geralmente, não tem testemunhas. E a pessoa fica com receio de levar a notícia para frente, só com base na sua palavra”, aponta a desembargadora Salise Sanchotene.
Salise foi a relatora do processo administrativo disciplinar que puniu o juiz Marcos Scalercio, em maio de 2023. Ele é acusado de assédio e importunação sexual contra pelo menos três mulheres, em São Paulo.
Uma delas, cliente do advogado José Lúcio Munhoz. “Era uma funcionária do tribunal. Ela sentou na cadeira, cadeira com braços, e ele foi para cima dela, segurando o braço dela junto aos da cadeira, e se aproximou, tentando beijá-la. Ela, assustada, se afastou para trás. Ele continuou indo, indo, até que ela colocou a mão do rosto dele e o empurrou com força”, relata o defensor.
O juiz foi punido com a aposentadoria compulsória. “É o máximo de pena que, no âmbito administrativo, a gente pode aplicar a um juiz. Estamos dizendo, com decisões como essa, que não se tolera mais assédio e discriminação no poder judiciário”, destaca a desembargadora.
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça disponibiliza um canal de denúncias, conforme explica o coordenador da Comissão de Prevenção de Assédio no TJ-SP, Irineu Jorge Fava. “Para que a gente tenha um ambiente de trabalho sadio, não tóxico. Por quê? Porque o assédio sexual, moral, e a discriminação, ela gera um impacto emocional muito forte no funcionário, e isso reflete na produtividade, reflete na qualidade do trabalho, isso reflete na qualidade de vida do próprio funcionário”.
A intenção é evitar que casos como a de uma servidora do judiciário, em São Paulo, se repitam. Ela conta que tudo começou depois que um novo juiz assumiu o cartório eleitoral onde ela trabalhava.
“Ele começou a me perseguir. Tudo que eu fazia, por mínimo que seja, uma vírgula, ele fazia eu fazer de novo”, ela lembra.
Meses depois, o juiz alegou que havia uma denúncia anônima contra ela e que, por isso, a servidora precisaria se afastar. A implicância virou castigo. “Eu fui tirada do cargo. Ele colocou quem ele queria no meu lugar”, ela conclui.
Mas, para o advogado de uma das vítimas do recém-aposentado Marcos Scalercio, o maior desafio é mudar a conduta de quem tem o poder nas mãos. “O juiz está em uma sociedade complexa como a nossa, em uma posição de defender os segmentos mais fragilizados, e jamais se espera que um magistrado venha fazer o oposto disso, usar do seu poder para, justamente, se beneficiar dessas pessoas mais fragilizadas”.
Fonte: sbt