8 de março é um dia para celebrar as conquistas, mas também para refletir sobre os desafios
O espaço público foi historicamente constituído como um espaço masculino; logo, a ausência das mulheres nesse espaço era algo justificado por suas supostas propensões naturais ao espaço doméstico, ao cuidado. Essa situação começou a mudar a partir do século XIX, período em que as mulheres europeias, através da luta pelo sufrágio, passaram a questionar esse papel social que foi atribuído à categoria “mulher” e buscaram conquistar maior participação na vida pública. No Brasil, o avanço das mulheres em relação ao acesso à política ocorreu a partir de 1932, com a conquista de um código eleitoral provisório após intensas reivindicações nacionais sobre o voto feminino, mas a obrigatoriedade só ocorreu em 1946. No entanto, as pautas do movimento feminista brasileiro perderam força devido às repressões políticas durante a Ditadura Militar (1968-1985), sendo retomadas apenas no processo de redemocratização, que teve grande participação feminina no final da década de 1970. Nesse momento histórico, a sociedade brasileira parecia mais propensa às causas sociais e as mulheres se uniram para lutar por maior participação na sociedade. Na votação da Assembleia Constituinte, 26 parlamentares formaram a chamada “Bancada do batom”, visando defender os direitos das mulheres.

A luta pela equidade de gênero no país tem avançado, mas ainda enfrenta desafios significativos, especialmente no Poder Judiciário. Com base no painel de dados de pessoal do poder judiciário divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as mulheres aparecem como maioria com (50,81%) dos 92.099 servidores da Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Federal. Os homens representam 45,2% e os que não quiseram declarar 0,17%. Embora o número de mulheres tenha aumentado, a representatividade feminina nos cargos da Justiça ainda é insuficiente.
Dados por sexo e gênero
Do total de 18.424 magistrados, os homens representam 60,42%, enquanto as mulheres são 38,73%. Os estados que contam com maior representação feminina são Rio de Janeiro (47,53%), Rio Grande do Sul (45,39%), Bahia (44,04%) e Acre (43,43%). Já os com menor participação são: Roraima (24,19%), Tocantins (27,01%), Piauí (27,03%) e Mato Grosso do Sul (28,75%). Já nos dados sobre servidores, as mulheres aparecem como maioria com (50,81%) de 92.099.
Piauí em foco
Os gráficos abaixo traz informações sobre o número de Servidores do Judiciário Federal no Piauí:
Gráfico 01:

Gráfico 02:

Hoje o TRT-22 conta com 459 servidores, sendo 252 mulheres, o que aponta 54,9% de representação feminina. O TRE-PI tem um total de 550 servidores, sendo 290 mulheres. Já a Justiça Federal possui um quadro de 199 servidores, sendo 101 mulheres. Ao analisarmos os números, é possível observar que as mulheres são maioria entre os servidores, no entanto, essa presença não é refletida de forma equitativa nos cargos de maior poder. Qual será o motivo?
Madalena Nunes, servidora pública da Justiça Federal e uma das fundadoras do Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal do Piauí (Sintrajufe/PI), avalia que a participação feminina no poder judiciário teve um aumento nos últimos anos, mas ainda pode ser considerada tímida. “Somos maioria em número. Lógico, ainda somos minoria nos cargos de decisão e de poder. Mas existem mulheres diretoras nas secretarias de varas, ainda que em número menor do que homens. De qualquer forma, são sinais de mudanças, avanços e reconhecimento do papel da mulher na sociedade. Também na Secretaria Administrativa da Justiça Federal, pela primeira vez, temos uma mulher à frente, que assumiu a direção há cerca de dois anos. Até então, esse cargo era ocupado sempre por homens. Da mesma forma, ainda não registrou, salvo engano, uma mulher como Diretora do Foro. Talvez como substituta, não tenho certeza. Mas como titular eleita, não temos ainda nenhuma juíza nesse cargo de Diretora do Foro. No TRE a situação é bem mais difícil. Juízes e Desembargadores do Judiciário Estadual, que forma a ‘Corte’ do Tribunal Eleitoral, junto com Juízes da Justiça Federal, apenas homens são eleitos presidentes. Ao que consta, uma ou duas juízas, até o momento, foram nomeadas membros do Tribunal Eleitoral. Mas a presidência sempre foi ocupada por homens. Diferente do TRT, por exemplo, cuja presidência já foi exercida pelo menos por duas mulheres, uma das quais, recentemente, assumiu como ministra do TST. Agora, na base da justiça, especialmente, limpeza e conservação, temos a maioria mulheres. À Exemplo da chamada base social, basicamente sustentada por mulheres negras. Denunciando assim, o sexismo e o racismo presente na sociedade brasileira”, afirma.

Desafios
Para Madalena Nunes, essa sub-representação no Judiciário é um reflexo das barreiras históricas e culturais que as mulheres enfrentam. As dificuldades começam na escolha das carreiras jurídicas, passam pela ascensão nos postos de trabalho e chegam à organização sindical. “O primeiro desafio é passar no concurso. Diferente do homem, que quase nunca tem preocupação com o cuidado com a família e afazeres domésticos, cabe a nós, mulheres, arrumar tempo para estudar, conciliar tarefas e disputar em par de igualdade com os homens. Afora isso, coube à minha geração funcional, enfrentar o desafio de organizar o Movimento Sindical no Judiciário, um ambiente pouco simpático à luta da Classe Trabalhadora. Como sabemos, até o advento da Constituição Federal de 1988, era proibida a Organização Sindical no Serviço Público. E no Judiciário, então, parecia coisa do outro mundo. Não por parte de Servidoras e Servidores, que na sua grande maioria, abraçaram a causa e realizamos muitas lutas. De qualquer forma, é uma luta que poucas pessoas se dispõem a assumir a linha de frente. Pois junto com essa luta, vêm as ações adversas: Por exemplo, no meu caso particular, não assumir função de confiança, ficar sem lotação e sem local para trabalhar, sair de férias e retornar para uma outra lotação etc. Mas o importante é que os desafios nos ensinam que sem nossa organização e luta as transformações não aparecem, nem trazem conquistas e tampouco melhoria na qualidade de vida e do trabalho. É com muito orgulho que dizemos: Fizemos a primeira Greve no Judiciário Federal do Piauí, conquistamos muito. Mas “Ainda Estamos Aqui” e queremos mais, muito mais conquistas e bem viver”, comenta.
Diversos fatores contribuem para essa realidade e a falta de representatividade feminina no Judiciário impacta diretamente a qualidade das decisões e a percepção pública de justiça. Madalena ressalta que as mulheres trazem perspectivas únicas e necessárias para a interpretação e aplicação das leis, especialmente em casos que envolvem direitos das mulheres, violência doméstica e igualdade de gênero. “O simples fato de ocuparmos espaços antes definidos apenas por homens, já demonstra a importância da presença da mulher. Por exemplo, é o nosso debate, trazido pelas lutas da Classe Trabalhadora, que nos permite ter um salário igual, para cargos iguais. Essa igualdade não viria, sem a luta das mulheres. Lógico que o sistema capitalista cria outras distorções e desigualdades. Mas sem a nossa presença no ambiente de trabalho, sequer, essas desigualdades seriam percebidas. Portanto, cada passo é um passo decisivo para transformar e ocupar espaço.” afirma.
Apesar dos desafios, há possibilidades de avanços. Iniciativas como a Resolução CNJ nº 255/2018, que estabelece a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, têm sido importantes para promover a equidade de gênero. Programas de mentoria e redes de apoio específicas para mulheres também têm surgido, auxiliando na preparação e no encorajamento das profissionais para que alcancem cargos de liderança.
Madalena Nunes comenta esperançosa: “O simples fato de ocuparmos espaços antes definidos apenas por homens, já demonstra a importância da presença da mulher. Por exemplo, é o nosso debate, trazido pelas lutas da Classe Trabalhadora, que nos permite ter um salário igual, para cargos iguais. Essa igualdade não viria, sem a luta das mulheres. Lógico que o sistema capitalista cria outras distorções e desigualdades. Mas sem a nossa presença no ambiente de trabalho, sequer, essas desigualdades seriam percebidas. Portanto, cada passo é um passo decisivo para transformar e ocupar espaço.”
A entrevista realizada com a servidora Madalena Nunes e a análise dos dados colhidos no site do CNJ e os estudos produzidos sobre a participação feminina no poder público ajudam a evidenciar os obstáculos diante do avanço feminino e deixa clara a necessidade de mudança efetiva deste quadro. Percebe-se que a ausência de mulheres é um problema quando um crescente número de países tenta uma “justiça intuitiva” adotando cotas de gênero para diferentes níveis do governo. A importância de vozes femininas nesses espaços pode resultar em decisões mais inclusivas e sensíveis às questões de gênero.
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